quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Humanidade é uma Farsa

O ser humano contacta com o mundo através dos sentidos, através das percepções, das imagens e das ideias. Porém, basear raciocínios e ideias em dados empíricos não é fidedigno. Por outras palavras, basear o conhecimento que se tem do mundo somente em dados captados pelos sentidos é bastante perigoso, visto que os sentidos nos podem facilmente iludir, levando-nos a crer em algo errado.

Desta forma, o Homem, ao longo do tempo foi-se apercebendo que basear ideias apenas nas informações que os sentidos transmitem é como dar passos sobre o gelo. É assim que surge a Ciência como uma das formas de procurar e encontrar justificações para que possamos realmente compreender e conhecer tudo o que está à nossa volta.

Ao longo da busca pelo conhecimento real e fundamentado apercebemo-nos que o Homem foi evoluindo. Na verdade, quanto melhor este compreendia o mundo que o rodeava, quanto melhor se compreendia a si mesmo e mais facilmente obtinha tudo o que era indispensável para a sua sobrevivência.

Foi no seguimento desta conjectura que, no século XIX em França, Auguste Comte cria um sistema filosófico designado como positivismo, o qual acreditava em “ordem e progresso”, ou seja, suponha que a evolução do Homem e da sociedade apenas seria possível num mundo visto e explicado através da ciência, em que o ser humano conseguisse controlar e utilizar tudo o que o rodeia (a Natureza) de modo a perfazer todos os seus propósitos. Supôs-se assim que a ciência seria a solução de todos os problemas do mundo, da humanidade.

Ao longo do tempo temos vindo a observar que a ciência em geral, assim como tudo o que é recorrente desta, como a tecnologia e a industrialização, não têm correspondido às expectativas iniciais, muito pelo contrário. Na realidade, apesar da ciência aproximar cada vez mais a humanidade da verdade das coisas, apenas podemos afirmar plausivelmente que, no séc. XXI, a ciência só a tem afastado do contacto e do respeito pela Natureza.

É verdade que a ciência não é responsável por todos os males da sociedade, assim como não é necessariamente o caminho abominável que conduzirá a humanidade ao seu fim. No entanto, como temos vindo a constatar, não é também a forma incontestável do Homem se realizar enquanto ser racional. A problemática da evolução científica, e a forma como ela faz o Homem ver as coisas é, de facto, incessante. Apesar de variar com cada paradigma e, consequentemente, com cada período histórico.

Além disso, podemos afirmar que a cada período histórico está associado mais do que a um simples paradigma científico, está associado a uma doutrina. Ou seja, está associado um conjunto de valores morais que influenciam directamente o modo de agir da sociedade de então e, por consequência, a forma de impulsionar a ciência. Note-se: enquanto a civilização chinesa progredia em conformidade com os valores morais defendidos pelo confucionismo, a ciência era desenvolvida numa tentativa uniforme de melhoria das condições sociais, assim como respeitando estritamente a natureza. No entanto, hoje em dia, após a Revolução Cultural Chinesa, e o consequente abandono do confucionismo de então, apuramos que os valores da doutrina em questão (similares aos humanitaristas) foram quase por completo suprimidos, tendo passado a predominar os valores de uma sociedade capitalista e desumana.

Observamos da presente forma que, caso a ciência seja incapaz de ser desenvolvida respeitando o humanitarismo, não nos distanciará dos restantes animais, mas apenas nos igualará a estes. Apesar de se tratar de uma afirmação extravagante, depois de todos os pontos analisados até agora, não se pode considerar completamente desprovida de lógica.

A “ciência pode ser utilizada para multiplicar a arte do Homem pela arte de Deus”[1] -, todavia, para tal é necessário humanizá-la, torná-la mais humana, digna de sentimentos que supostamente apenas pertencem à nossa espécie, em suma: fazê-la vir à razão.

Não obstante, é a ciência, a tecnologia e a industrialização que permite «Massas de operários que se apinham nas fábricas onde se organizam como soldados. Simples soldados da indústria, postos sob vigilância de uma completa hierarquia de oficiais, suboficiais e subalternos. Não são apenas os escravos da sociedade moderna burguesa, do Estado burguês. Dia a dia, hora a hora, sofrem o jugo da máquina, do contramestre e, antes de tudo, dos próprios fabricantes burgueses. Despotismo tanto mais mesquinho (…) quanto o seu objectivo, sonoramente confessado é o lucro.»[2].

No entanto ela assim permanece, como uma pseudo-arte com a qual o Homem ainda não sabe lidar.

Concluindo, podemos afirmar plausível e coerentemente que, se a humanidade não é uma farsa, então é apenas o humanitarismo civilizacional que carece de uma profunda humanização.



[1] Discurso efectuado por Lamartine, na Academia de Macon, em 12 de Setembro de 1842;

[2] Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, Coimbra, Ed. Centelha, col. Textos do Nosso Tempo, 17, 1974.

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