quarta-feira, 10 de junho de 2009

Metafísica, para além do Físico

Estamos numa época que ignora a grandeza e a sua miséria da metafísica. Sua grandeza: ser sabedoria. Sua miséria: ser ciência humana.

A metafísica nomeia a Deus na sua grandeza. Mas não por seu nome, aliás, ela, tal como Deus, não se descreve num termo. Assim como Jacó, pela manhã, interrogou ao Anjo: “Diz-me como te chamas?”, ouviu a seguinte resposta: “Por que perguntas meu nome?”[1] “É impossível pronunciar este nome verdadeiramente admirável, posto acima de todo e qualquer nome pronunciado, tanto no século presente como no século vindouro”[2].


Mas porquê falar da metafísica?

Não tenho o objectivo de descrever textos clássicos. Falo de metafísica pois esta é, e perdoe-me se cito Aristóteles, “inútil”. E inútil porque é supra-útil. Isto é, ela não serve para nada porque está acima de qualquer servidão.

Hoje em dia valoramos ciências e tecnologias capazes de tornar a vida mais confortável. Caminhamos rumo a uma qualidade de vida crescente.

Falo da metafísica porque apenas ela pode contrariar o facto de estarmos estamos dependentes de bens materiais que se vão confundindo com bens essenciais.

Qual é a relação entre a metafísica e os bens materiais?

Os bens materiais cegam-nos mais que os nossos próprios sentidos, temos necessidade de ir para além do físico sempre que procuremos a verdade da inverosimilhança da vida. É isto que as religiões propõem, é isto que a filosofia propõe.

O ser humano entra em contacto com o mundo através dos sentidos, que, na realidade, se resumem a músculos e nervos irrigados por sangue. Quero com isto dizer que a única forma de que dispomos de interagir com o mundo é através de órgãos que não passam de carne humana e, como tal, pó vivo.

O mundo é algo demasiado vasto e demasiado desconhecido, e o Homem tenta descobrir e compreender todos os mistérios que este encerra. Sendo que, nesta jornada, aliamo-nos a ciências que nos servem e fórmulas que nos mentem.

A metafísica é a tentativa de compreender o mundo que não depende do valor que lhe demos para existir, contrariamente) a futilidades materiais que nos entorpecem, tornando-nos inertes e apáticos, camuflando a Terra, mais verde e florida que tudo isso.

Sei que (caso ainda estejam a ler) o ser humano não se tem saído nada mal com as supostas “ciências que nos servem e as fórmulas que nos mentem”.

De facto. Mas neste momento há a necessidade de distinguir várias posições que assumimos ao longo da vida.

Apenas defendo piamente uma coisa: o ser humano tem tanta, ou maior, necessidade de encontrar verdades que sirva, do que verdades que o sirvam. Todavia, sem querer entrar em subjectividades, pretendo apenas realçar uma única questão: nos dias de hoje apoderou-se das nossas consciências, o conforto e a velocidade são essenciais para a qualidade de vida. Não tenciono fundamentar uma opinião contra ou a favor disto, limito-me a confessar a minha angústia quando vejo a medicina a retardar a morte de cadáveres vivos em vez de se limitar a prolongar a vida, tenho náuseas quando se reduz a vida a coisas que têm apenas valor simbólico como o dinheiro e outros bens que se destroem como duas faíscas, e isto é sacrilégio.

Em plena crise de valores no mundo de ideologias ocas que não valem mais que o dinheiro, quando o objectivo da vida é naturalmente confessado: o lucro; concluo que as verdades que nos servem promoveram que as pessoas se abandonassem a cada passo numa vida em que o desinteresse pelo ser é completo.

As palavras são pedras, a felicidade é falsa, a mentira e a inconsciência são o desejo de todos aqueles que se atrevem a ver o mundo que nos rodeia. A vida é ridícula porque a morte a torna inútil. Andamos todos perdidos, o ter supera o ser. E, no meio de tudo isto é possível encontrar uma ilha de resistência: a metafísica, que procura o imaterial e o verdadeiro.

A realidade é que os olhos não servem para ver, os sentimentos são abstractos e voláteis, assim como tudo o que tem real interesse. Falo de metafísica, porque procura o significado das coisas, falo dela e não de surrealismo, porque procura consciência. Falo dela porque as pessoas abandonam a consciência do mundo, porque a verdade de tudo quanto é humano é simplesmente demasiado doloroso.

Para vós, mais cépticos, que não crêem que haja algo que se entenda para além do físico e do material, termino com o exemplo: jamais poderemos considerar que uma prostituta, no exercício das suas funções, se encontra no mesmo patamar sentimental e amoroso, que uma rapariga apaixonada aquando da primeira vez que experimenta os prazeres do sexo. Apesar de ambas experimentarem um orgasmo, apesar de ambas retirarem prazer do acto sexual, apesar da resposta corporal ser a mesma, há algo que transcende tudo isso e que vai para além do físico.

Conseguem vós, seres presentes, compreender a importância de experimentar o mundo com horror de nos afogarmos em avenidas negras, rodeadas de betão?


“Come chocolates, pequena;

Come chocolates,

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.”

in Tabacaria, Álvaro de Campos



[1] Gên. 32, 29.

[2] DIONÍSIO, De Divinis Nominibus, I, 6 (lição 3 de Santo Tomás. Cf. São Paulo, Efés. 1, 21).

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